Falei-te ao ouvido, baixinho para ninguém ouvir. Pedi-te com carinho que
fosses desenhado a preto e vermelho e de altura imponente e de ombros
fortes, mesmo que fosses só um menino. Vai embora. Não queres ir, tens medo, como eu, de voar? Falo de ti, eu sei. Ao teu
ouvido digo-te baixinho, perto, a falar e a respirar, com uma mão nos
teus cabelos e outra no teu olhar, que gosto de ti. Que sou como tu. Que
sinto o mesmo. Que me sei rir do mal e chorar ao imaginar que vais
deixar de ser menino. Não vás embora. Mesmo assim, não sei dizer que
te amo. Porque não te amo. Que te quero, porque não te quero. Era
capaz. Colocaria todo o meu coração no teu peito. Seria mesmo como tu.
Seria tanto à tua imagem, que podias ficar. Porque eu vejo-me através do teu olhar e porque eu sei que gosto de ti. Como tu és. Desenhado com mais
cores e defeitos. Serias menos perfeito, mas já sabes que não posso fazer mais que silenciar-me e refugiar-me na minha mente. Mas como tu és, mais ninguém seria. Então diz-me
porque ficas quando eu não te amo e não te quero? Porque te assombro. Como uma sombra no canto da mente que aparece nas luzes fortes da noite.
Uma palavra ao ouvido. Escuta que o que sabemos fazer melhor é falar noite dentro. Gosto de ti dez anos mais cansado, daqui a vinte mais meu. Dou-te um canto no meu coração mas não te esqueças que ele não é
teu. Nem meu. Nem nosso. Nós nunca existimos. Fecha os olhos, pisca
devagar e quando abrires os olhos pensa
que me esqueceste. Que fui tão rápida a sair como a entrar.
Disseste-me que o mundo tinha mais que uma saída e que eu era capaz de
saltar. Só estou a fazer o que me ensinaste. Julgaste-me incapaz de
saltar para dentro das portas da tua percepção. Se eu fosse mais corajosa eu ficava e deixasse que me amasses, mas sou menina frágil que se esconde por detrás da imensidão de um mar. Não me fales ao ouvido da próxima vez que me
encontrares.
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