terça-feira, janeiro 09, 2007

Odeio-te


Odeio-te porque não me amas. Embora julgues o contrário. O contrário de tudo. Julgas que te amo só porque me deito contigo. És cego. Não distingues amor de desejo. Sim, eu desejo-te. Desejo-te porque te amei. Amei-te e criei em mim a ilusão que podia criar em ti o amor como se o amor se plantasse como quem planta legumes ou flores, as rega e as vê crescer. O amor não é uma planta, é um sentimento. Agora eu compreendo que em ti não há sequer sentimentos. O único sentimento que se podia dizer que possuis é da posse, mas isso não é um sentimento é um “ismo” uma força bruta que te arrasta e te faz arrastar os outros que queres possuir e chegas a confundir isso com amor. Também eu confundi. Confundi a realidade com os meus desejos. Eu queria amar-te e ser por ti amada. Queria sentir a tua presença mesmo na tua ausência. Queria que estivesses dentro de mim e que nada conseguisse expulsar-te. Que fizesses parte de todos os meus actos, de todas as minhas decisões, de todos os meus movimentos, como se fosse a tua inteligência a decidir com a minha numa só. Queria sentir o teu cheiro e o teu corpo em tudo o que tocasse, como se, na ponta dos meus dedos, estivesse sempre o veludo da tua pele.
Odeio-te pelo sangue das feridas que deixaste abertas e que eu lambo para te sentir. E não consigo expulsar-te porque enquanto as feridas sangram tu estás presente, sinto a dor como se te sentisse. Elas são o teu rasto, a tua obra, o sinal da tua presença, a tua modificação do meu sentir, do meu ser. Um ser que se acomodou à ilusão de te amar e se confunde como tu te confundiste. Odeio-te pela tua ausência, em cada recanto da casa, no frio dos lençóis, na mesa que não enfeitas. Odeio-te na pessoa da florista a quem já não compro flores, porque não há ninguém a quem as oferecer. Odeio-te na figura dos outros que se parecem contigo. Odeio-te nos cigarros que fumo para matar o tempo infinito em que não existes, e não sei se são os cigarros que me vão matando se é a tua lembrança. Odeio o cheiro do perfume que te ofereci e que nunca desapareceu deste quarto onde os nossos corpos se abraçavam, se comprimiam, se misturavam, no tempo em que ambos julgávamos que o sexo era amor. Odeio lembrar-me de ti e não conseguir esquecer-te. Odeio esta necessidade do teu sexo esperando por mim.
Odeio-te porque talvez ainda te ame!

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