Tantas vezes pensei em escrever-te uma carta e tantas vezes desisti. Cartas escritas, daquelas antigas que transportam sonhos e sentimentos dentro de um envelope fechado, com um selo estampado, que chegam ao destinatário dobradas e cheias de marcas de tanto andar na bolsa do carteiro.
Pensei em escrever-te uma carta que trouxesse nela a essência do meu eu - para que me conhecesses. Tantas vezes comecei e tantas vezes amarfanhei o papel e o deitei fora. Parece que a caneta já não consegue transpor para o papel os sentimentos da mesma forma que antes o fazia - é o progresso, agora escrevo no computador os sonhos e desejos, descarrego as raivas e as frustrações e, a um canto, deixo o meu papel e a minha caneta, esperando por um dia em que inspirada neles pegue e para eles passe a minha vida e o meu sentir.
Mas porque escrever-te agora e aqui? Talvez porque sei que nunca irás ler a minha carta, nunca a poderás rasgar, aqui ficará para sempre, como testemunho do que sinto e do que choro, da saudade e da tristeza, aqui onde nem tu nem ninguém a poderão destruir.
Escrevo-te aqui, onde alguns anónimos e outros conhecidos - todos ainda sem face mas todos queridos, passam, e podem ler o que te escrevo e saber de mim se calhar mais do que tu alguma vez quiseste saber.
Tanto te queria dizer, assim frente a frente, olhando nos teus olhos e tentando decifrar o que vai na tua alma, alma perturbada eu sei, porque só uma alma só, insegura e perturbada tem uma capacidade infinita - como tu tens - de magoar repetida e deliberadamente alguém que afinal nunca te fez mal algum.
Alguém que um dia quiseste muito, procuráste, para depois de repente e sem motivo, deixares de querer e procurar, ou simplesmente só procurares quando te apetecia como que num rasgo de sadismo - "o que não é meu, também não é de outro, mesmo que seja eu que não queira, mesmo que queira mas tenha medo, mesmo que não procure mais, ficará sim, pendente de mim e do meu querer".
Entender-te? Não é possível, tens uma forma de ser que só tu mesmo entendes. Por vezes meigo, carinhoso, todo meu - e logo a seguir distante, frio, só, fugitivo, desaparecido.
Um dia disseste, pediste, com aquela voz baixa e pausada, em tom carinhoso e melancólico "confia em mim, vai, por favor...confia", olhando-me com uns olhos castanhos meigos e só meus...e eu confiei. Não me arrependi, isso nunca. O que vivi foi bom demais, o que sinto até hoje, é forte demais para querer arrependimentos. Mas as recordações poderiam ser tão mais bonitas e reconfortantes...as memórias tão mais quentes e alegres, o sentimento que restou tão mais valeria a pena.
Por isso, por favor, nunca mais digas a alguém: "Confia..." se depois vais destruir toda a confiança e vais magoar tanto e tão profundamente quem pediste que confiasse em ti. Arranja outra forma de conseguir o que queres, mas não peças para confiar em ti.
Sabes, a confiança é algo tão frágil quanto precioso, é algo tão profundo quanto difícil de dar, é algo que quando acaba, nunca mas nunca mais volta - fazendo com que a vida e o sentimento mudem, fiquem mais tristes e mais desiludidos, mais desesperançados...
E não joques com os sentimentos como jogas cartas com os amigos - intensamente, inconsequentemente, sem olhar para o lado, sem te importares com o resto, displicentemente. Não acabes com a confiança, com o respeito, com a vontade de quem gosta de ti. Não roubes a alma e o coração para depois os deixares ali..abandonados e jogados no meio da rua.
Sabes? Se continuares assim, um dia vais encontrar-te sózinho, sem amor, sem ternura, sem sentimento, de alma vazia e coração esquecido - e quando quiseres voltar atrás, vai ser muito tarde. Tarde demais para viver, para amar, para gostar, para te entregares, para seres tu, de alma completa e solta. Vai ser triste um dia encontrar-te, olhar-te nos olhos e ver tristeza e arrependimento, mas sei que isso vai acontecer...
um dia...
e aí, vou ter tanta pena de ti...
e vou chorar pelo que não fomos, pelo que não sonhámos, pelo que não vivemos....
porque tu...sempre tu...fugiste de ti mesmo.
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