domingo, julho 11, 2021

Menina de muitas palavras.

 

 

Não. Eu não preciso de ti, repito vezes sem conta ao meu coração sofredor. Eu apenas preciso do teu sorriso. E precisar do teu sorriso, não é igual a precisar de ti. Tu sabes bem que não. E o teu sorriso sempre me falou mais ao coração do que tu. O teu sorriso sempre me alimentou mais calor do que os teus abraços. O teu sorriso é o teu sorriso. Para mim ele nunca fez bem parte de ti; é algo que só surge quando estou contigo. E foi assim que me conquistaste. Foi assim que fizeste com que eu fosse sentar-me contigo no banco do carro ao fim de uma noite qualquer de domingo. Foi o teu sorriso que me disse olá e chamou-me para ti. Eu até podia dizer-te que o teu sorriso falava sozinho e nem estaria a mentir. Mas nem sempre assim era. Por vezes o teu sorriso para falar mais alto e brilhar no calor da noite precisava dos teus olhos cor de céu, e das palavras que tu pronunciavas pela metade, com essa carisma tão leve e poderoso. A primeira vez que te ouvi falar fiquei sem palavras, todo o teu charme envolvia-me e puxava-me para ti, enquanto os teus lábios articulavam qualquer coisa que nem me recordo. Os meus olhos depois subiram e encontraram os teus. Encontraram os teus olhos e perderam-se lá. E tantas vezes que isto aconteceu. Olhava para os teus olhos céu, para as calças que teimavas em trazer sempre que vinhas ter comigo, e eu perdia-me em ti. Não, não me perdia em ti, só ficava irremediavelmente á deriva nos teus olhos e no teu sorriso , nas cores perfeitas com que o meu coração te pintava. Eras a tela em branco que inspirava qualquer artista a descrever uma obra-prima. E eu tinha medo, andava sempre em bicos de pés e não sabia usar as palavras. Sabes, as palavras têm poder e eu tinha muito medo de usar as erradas, as que poderiam afastar-te de mim novamente. Foram seis dias de silêncio a retinir nos cantos do meu ser e tinha receio de reencontrar essa ausência tua. Não tinha decidido ainda se te queria na mobília da minha alma. No entanto, gostava muito de ti quase tanto quanto o meu coração gostava. Gostava de ti naquela tela bonita em que as palavras não nos alcançam e não precisava ter cuidado. Sempre fui menina de muitas palavras, mas quando percebi que começava a precisar de ti por perto, mais que alguns minutos, mais que alguns momentos, que precisava ver-te e tocar-te mais que meros segundos, as palavras esconderam-se de mim. A partir de então, as minhas tardes passaram a ser calmas como a brisa, cada letra era pensada ao pormenor. Perdemo-nos mil vezes um no outro a cada instante que passava. O teu sorriso aparecia sempre e falava-me ao coração. Eu percebia e respondia-te que só o teu aroma era capaz de acalmar-me. E desde esse dia, sempre que eu chegava a ti, o teu inebriante odor era a primeira coisa que sentia. Tu cedias-me sempre essa parte do teu mundo e eu inalava, perdidamente enredada na tua sombra. Eu lembro-me de cada movimento dos teus olhos, cada palavra, até que aproximaste os teus lábios dos meus.  Beijaste-me e eu perdi toda a sanidade que me restava!  Eu ainda não tinha sequer pensado nessa probabilidade. Estávamos tão bem assim, sentados, calados, a falar muito e sobre tudo. Tu beijaste-me, eu fui obrigada a pensar muito rápido. Não disse nada, virei-me para o lado e abandonei-te na noite escura. A partir desse dia, sempre que me perdia no teu olhar,  tu beijavas-me. Eu dependia cada vez mais de ti. Até que houve uma vez em que fui eu quem te beijou. Começámos a falar do futuro, dos beijos e de cada toque. Houve uma noite em que não apareceste. Combinámos e tu não apareceste. Sabia bem que não era nenhum imprevisto. Eu sabia que não irias aparecer mais. Deixei-me estar á porta da tua casa, no muro com vista sobre o mar e a cidade, depois fui embora. Não senti dor, não derramei nenhuma lágrima. A minha vida continua sem dúvida, mas por eu não ter chorado, não quer dizer que não sinta a tua falta. Sinto, e tanto! Sinto falta principalmente desse teu sorriso. Nunca mais te voltei a ver. Agora não tenho ninguém que me fale ao coração, ninguém que me faça perder a razão, ninguém que se encontre comigo á meia noite á porta do prédio onde vivo, ninguém que me beije sob a luz da lua. E eu sabia que iriam aparecer dias em que não nos iríamos ouvir. E nesses dias era tudo tão mau, tudo doía tanto. Nós sabíamos que não podíamos continuar assim, que era demasiado amor, que não era possível  acontecer e durar até o mundo acabar. Nós sabíamos tudo, mas apenas tu tiveste coragem de dar o último passo. E nessa noite em que não apareceste, eu já sabia que não vinhas. Fui para casa com um sorriso nos lábios, com um sorriso muito parecido ao teu. Apesar de tudo, apesar de saber que nunca mais irei ver-te, eu sabia que tínhamos sido verdadeiros, intensos e fortes. Isso basta-me, apesar de agora eu precisar do teu sorriso. No fim do dia, o único tempo em que eu penso em ti é sempre que a noite chega de mansinho e o relógio marca meia-noite, porque eu sei que também foi esse o tempo que escolheste para pensar em mim. Eu continuo a conhecer-te, melhor que ninguém.

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