sábado, novembro 20, 2010

Fotografias de erros


" Daquela tarde guardo uma trança mil vezes desfeita e o poema encomendado que me escorregou das mãos e te caiu aos pés. Se a voz do coração é pequena eu não tenho culpa de só saber ler para dentro, amor. A culpa é dos livros que se passeiam à frente dos olhos. Os meus; grandes e míopes. Os teus; faz de conta que já não me lembro. O vento mandou dizer que foi engano e pediu desculpas pelo incómodo. O casaco nas costas da cadeira poderia ter mandado apagar a luz mas a noite fugiu antes que eu conseguisse levantar-me. E se eu te tivesse oferecido uma maçã escusava de andar por aí agora a engolir o céu. Sabes, é que não sei se me curo ou me mato a dormir sempre fora do peito. Aprendi a fazer barulho com os olhos e – desde aí – a minha boca calou-se à magia das palavras. É bom que saibas: guardo também a falta de jeito com que as minhas mãos de pássaro seguraram consecutivas chávenas vazias. Desde esse dia roubo gente para dentro dos meus bolsos. E ensino-lhes que os versos de amor são coisa perigosa. Abrem portas, frinchas e várias janelas: fazem voar os cabelos para longe e é assim que as raparigas sensíveis ganham esse medo de andar descalças no soalho do quarto. Congelar o tempo na ilusão das onze da noite nem sempre dá resultado. A maior parte das horas somos bagagem sem destino: não podemos trocar de pele como podemos trocar de linha. Agora faço parágrafo, vês?
As noites não dormidas escondem-se atrás dos dedos; ardem-nos depois nos lábios. Mas também – tudo isso – não faz mal. Já dizia o poema nessa tarde em que comecei a chorar-te. Desde aí não existem estações secas.

PS: Há quem diga que o meu sofrimento é espelhado no olhar sempre que passas por mim. Eu digo: e depois? "

Sem comentários: