sexta-feira, fevereiro 23, 2024

A tempestade.

 Há dias como hoje, pequenos momentos, em que me sinto um grão de areia numa tempestade de emoções. Tento mudar de direcção e orientar os meus pensamentos para uma visão distinta mas a tempestade parece seguir-me. Mudo mais uma vez o meu rumo mas a tempestade faz o mesmo e acompanha-me a cada passo. As mudanças repetem-se infinitamente como um rito fúnebre que desloca-se lentamente madrugada fora. Apercebo-me então que a tempestade não é independente, causada por factores externos. A tempestade sou eu mesma. A única solução que me resta é conformar-me e deslocar-me pé ante pé através da mesma, manter-me firme e atravessar por entre grãos de areia até emergir na outra margem. É bem possível que aqui dentro não haja sol, nem lua, nem norte e em alguns momentos, hora nem tempo. Abro os olhos a medo e tudo o que vislumbro são pequenos grãos, finos como sal, dançando perante mim. Sinto-me a observar um ballet macabro protagonizado pela deusa da morte mesmo antes do alvorecer. Não posso recuar. Só me resta atravessar esta tempestade violenta, atroz e transformadora. Simbólica, sem dúvida, mas corta com a mesma força de mil navalhas e sangro de igual forma. Rasga-me a carne sem piedade. Sangue rubro e morno. Perderei aqui uma grande parte de mim. Sangue revelador que aparo com as minhas mãos em forma de concha. Quando a tempestade passar, ser-me-á difícil entender como consegui sobreviver. Terei certamente as minhas dúvidas se a tempestade realmente terminou ou se deixou em mim resquícios de luta guerreira. No entanto, saberei que jamais serei a mesma pessoa que era sol e raios de amor. Ninguém é o mesmo depois de uma tempestade.


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