quarta-feira, novembro 30, 2011

Fractura de um amor condenado.

[Ele: Rio de sentimentos. / Ela: Madrugada cruel]


Ele: Hoje, o vento sibilou-me ao ouvido, tal serpente venenosa, transportador de maus agoiros, que a tua partida finalmente tinha chegado. Eu encolhi-me sobre as suas carícias, tentando aconchegar o meu coração que chorava desconsoladamente, agredido pela brisa violenta das novidades trazidas. Contudo, apesar das minhas tentativas de consolo, o insensato órgão recusava-se a aceitar o que há muito fora escrito nas ténues folhas do destino. Canalizei-lhe a minha fragilizada esperança, sensação que, no entanto, não restava em qualquer parte de mim.

Ela: Senti-me demasiadas vezes neste papel branco e nesta caneta que teima em não escrever. Faltam-me os termos e sobretudo a coragem mas partir é inevitável. Prendo-me no desejo de revelar-te que o faço por ser imperativo e não uma vontade, mas temo que magoe demasiado a tua força interior. Quedo-me no silêncio, esperando, ainda que receosa, que um dia possa explicar-te, sem vírgulas ou pontos finais, os motivos destes meus devaneios.

Ele: Suspiro, enquanto deixo os meus joelhos se vergarem e me ajoelho diante da tua fuga, enterrando as mágoas e as mazelas que me deixas como lembretes de uma outrora presença tua na minha vida e no meu coração. A questão que me dilacera permanecerá por responder porque preferiste fugir a enfrentar as minhas interrogações. E eu só quero saber o porquê. Porque me deixas aqui, neste mirador de penitências desolado enquanto trilhas um caminho para longe, levando o que de mais precioso possuía: o nosso amor?

Ela: Empenhada em manter-me intacta nesta demanda por outros ares que não envolvam o teu aroma inebriante, calo os sentimentos que insistem em fincar-me os pés ao solo para que não me possa evadir deste sitio e deste amor. Revoltada por ter de lutar arduamente contra tudo o que me tenta prender a ti, ergo forças sobre-humanas e peço aos ventos que não arrastem as minhas tentativas de escapar-te. Prefiro ainda, que acredites por agora, que nunca houve um grama de amor por ti neste supérfluo coração.

Ele: E enquanto deixo as lágrimas, das quais me envergonho, rolarem pela minha face, desenho, de olhos fechados, o teu rosto no solo árido. Ainda agora partiste e o meu coração já se fragmentou até se tornar numa nuvem invisível de átomos flutuantes, corroído pela saudade. E quando me forço a ver o teu retracto no chão, o pânico que tentava conter dilacera-me e uma onda de consciência arrebata-me, e eu finalmente admito que te perdi. Jogo o corpo inútil no chão e digno-me a prestar um funeral ao nosso amor. Sem ti, morri.

Ela: O que me dilacera verdadeiramente a alma não é a partida mas sim saber que vais ficar. E a forma como te deixo. Sem um adeus, sem uma justificação, sem um último beijo. Todavia, creio conhecer-te cada recanto d'alma e cada sentir e sei assim que irás resistir á saudade quando esta tentar roubar-te as memórias da nossa história. Embala-nos nesta ausência enquanto o teu cerne o permitir e protege dentro de ti tudo o que um dia significámos enquanto fomos um do outro. Prometo-te, ainda que nas asas do silêncio, um dia poder ser a metade que te falta agora e reconstruir cada fragmento que causarei com este súbito e incompreendido abandono.




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