terça-feira, agosto 02, 2011

Tons de cinza


Sentei-me novamente na nossa mesa preferida. Olhei em redor para certificar-me que ninguém iria perturbar-me.Tirei, calmamente, de dentro do casaco forrado o meu novo livro. Apercebo-me, enquanto olho para a capa simples, discreta mas extremamente bonita, que tinha prometido a mim própria e aos demais que não voltaria a ler livros da mesma maneira.
Absorta na sinopse impregnada pela autora na contra-capa, deslizo os dedos cansados pela superficie do livro e pergunto-me se valerá a pena embrenhar-me nesta leitura. Afinal, posso não concluir a mesma. Posso, ainda, não gostar do que leio.
Volto a olhar á minha volta e relembro a forma como costumavas olhar para mim. Bebo um gole de café, saboreando cada décima de cafeina que me percorre o sistema, engulo de um só trago a água gelada que tinha em cima da mesa e respiro fundo.
A introdução parece agradar-me. Relata-me a história de uma personagem principal, demasiado preocupada em ocultar uma alma sofrida por ser alguém diferente, que procura refúgio em colegas de trabalho, amigos e afins, ou, em momentos mais patológicos, em quantidades excessivas de alcool.
A descrição fisica da personagem (quase que) apaixona-me de imediato. O Filipe é um rapaz de vinte e poucos anos, de estatura alta, magro, moreno, de olhos castanhos e cabelo castanho, com um sorriso capaz de iluminar uma sala inteira. Normalmente, seria nesta altura que fecharia o livro e o deixaria numa qualquer estante empoeirada da livraria onde estava, sem ter qualquer intenção de o adquirir. Mas esta personagem cativou-me de tal modo que não consigo abdicar deste livro. É quase como se tivesse estendido os seus braços através do livro e me tivesse envolvido com o calor das suas mãos quentes.
Continuo a ler, com a avidez inerente a quem deseja saber o que acontece ao longo dos capitulos. O rapaz revela ser alguém com uma personalidade complicada, ora oscilando para uma fronteira estridente, aninhado em braços repletos de luxúria; ora pendendo para uma barreira que lhe fornece o porto de abrigo de que tanto precisa, que entende o seu lânguido olhar e que o tenta resgatar constantemente.
A oscilação constante a que a personagem se sujeita enerva-me. Apenas quero chegar ao fim do livro, sem me importar de saltar alguns capítulos para saber que segredos encerra afinal Filipe. Será possivel que queira agarrar-se desesperamente a tudo o que almeja, sem se aperceber das desastrosas consequências? Alguém devia dizer-lhe que não pode ser abrigo de dois portos, nem se resguardar em duas almas distintas.
No entanto, não sou eu que controlo a leitura a que me entreguei. O livro parece ter vida própria e nao me permite avançar na sua leitura. Á medida que avanço na mesma, os capitulos parecem aumentar, transformando assim um livro que inicialmente continha duzentas e cinquenta páginas, num volume de setecentas e setenta. Por mais que tente avançar, ainda estou no seu inicio e deparo-me com o medo de seguir em frente. Devo desistir de o ler? Ou esperar que me seja permitido avançar?
Bebo o resto do meu café. A cafeina passa pela minha lingua já fria. Nunca gostei de café frio. Não tem o mesmo fervor que as tuas mãos. De qualquer modo, elas deixaram de ser quentes no final do mês de Junho. Assim que me deixaste...
Fecho o livro, coloco-o novamente dentro do meu casaco, olho em redor uma última vez,e saio apressadamente do estabelecimento antes que possas ver as lágrimas frias que me escorrem pela cara... uma última vez.

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